“Fortaleza é minha segunda casa, minha segunda cidade e meu segundo país é o Brasil agora” 

“Fortaleza é minha segunda casa, minha segunda cidade e meu segundo país é o Brasil agora” 

“Sou uma mulher emocionada com minha história”
“Fortaleza é minha segunda casa, minha segunda cidade e meu segundo país é o Brasil agora” 

Antonio Ferraccon, italiano, e funcionário do Departamento de serviços gerais da Universidade de Fortaleza 

Por Mariah Salvatore 

Quando desceu do avião em Fortaleza, sentiu uma energia inconfundível, algo que não experimentou em nenhum outro lugar. A cidade cearense se tornou parte de seu próprio ‘paraíso’ 

Quem passa por Antonio Ferraccon, um senhor bem-humorado e de fala calorosa, talvez não imagine a riqueza de histórias que ele carrega. Com 59 anos, Antonio saiu de Nápoles, na Itália, e percorreu um longo caminho até chegar a Fortaleza, no Ceará. Sua vida, marcada pela coragem e pela inquietação, o levou a desbravar novos territórios e a deixar para trás suas raízes italianas. Em busca de novas experiências, o italiano encontrou em Fortaleza um segundo lar, uma cidade que, segundo ele, reflete algo de sua amada Nápoles.

Caçula de quatro irmãos, Antonio sempre assumiu a responsabilidade de cuidar da mãe, levando-a ao médico e atendendo às suas necessidades. Cresceu em uma família unida, onde as tradições italianas eram valorizadas, especialmente nas celebrações. O Natal, em particular, representava um momento sagrado de união familiar, e sua mãe fazia questão de que todos estivessem presentes, criando memórias que Antonio ainda guarda com carinho. 

Mesmo com raízes profundas em Módena, sua cidade natal, e tendo crescido em Nápoles, ele carregava um desejo insaciável de conhecer o mundo, o que o levou a deixar sua terra natal e partir rumo ao desconhecido. Antonio traz consigo lembranças da Itália dos anos de 1960 e 1980, um período que ele recorda como sendo próspero e marcado por uma alegria de viver, refletida nas ruas e no cotidiano de sua cidade.

Em entrevista ao Newslink, o italiano narrou sua jornada como uma busca dantesca por um novo paraíso, onde Fortaleza se tornou o destino final de sua própria ‘comédia divina’. 

Newslink: “Então, queria entender o que levou um italiano a vir parar em Fortaleza? O que te motivou a sair da Itália e escolher o Brasil, em especial Fortaleza, que é uma cidade tão diferente da sua?”

Antonio Ferraccon: “Olha, para começar, o Brasil me lembra muito Nápoles. Não sei se você conhece, é uma cidade fundada pelos gregos, depois ocupada pelos espanhóis — tanto que há um bairro chamado Bairro dos Espanhóis. A Itália, especialmente o sul, foi influenciada por várias culturas: gregos, espanhóis, marroquinos e até africanos. Por estar no meio do Mar Mediterrâneo, a Itália tem uma posição estratégica que sempre atraiu diversas culturas, e isso moldou o povo.

Escolhi Fortaleza porque tem um jeito muito parecido com o de Nápoles. É uma cidade do litoral, o clima e a maneira como as pessoas se comportam me lembram muito de lá. Os habitantes têm um estilo de vida semelhante, sempre muito alegres e de bem com a vida. Existe uma coisa parecida de querer mostrar o que se tem, mas sem perder a simplicidade.

Na Itália, trabalhei por vários anos, mas sempre gostei de viajar, conhecer novos lugares e culturas. Passei muito tempo viajando sozinho, o que me ajudou a entender melhor as pessoas e a forma de viver em cada lugar. Viajar me deu uma visão ampla, uma espécie de autoconhecimento, e Fortaleza foi o lugar onde me senti mais em casa, sabe?”

NL: “Parece que você sentiu uma conexão imediata com Fortaleza. E você já tinha vindo ao Brasil antes?”

Minha mãe, que sempre me apoiou, dizia: ‘Você pode viajar, mas no Natal tem que estar aqui com a gente.

AF: “Não, foi a minha primeira vez. Na verdade, eu estava planejando ir para a Índia, já tinha até passagem e tudo. Mas, por coincidência, um colega me sugeriu Fortaleza, então mudei os planos e vim. Quando desci do avião, senti algo muito forte, uma energia especial. Foi estranho, mas bom. Conheci pessoas, fiz amizades, e me senti bem acolhido.”

NL: “E como sua família reagiu à sua decisão de ficar em Fortaleza?”

AF: “Foi um pouco difícil no início. Minha mãe, que sempre me apoiou, dizia: ‘Você pode viajar, mas no Natal tem que estar aqui com a gente.’ Ela levava o Natal muito a sério, e eu sempre tentava passar esse período com a família. Depois que ela faleceu, o Natal perdeu um pouco do sentido. Mas no começo foi uma surpresa para a minha família, especialmente para meus irmãos, que são muito ligados a mim. Eles vieram me visitar algumas vezes, entenderam minha decisão e acabaram aceitando.”

NL: “Então, há algum costume ou valor italiano que você ainda mantém na sua vida?”

AF: “Sabe, depois que perdi minha mãe, o valor do Natal, por exemplo, mudou para mim. Na Itália, o Natal é muito significativo, é uma festa de união e confraternização. Hoje em dia, sinto falta dessa tradição. Às vezes, a gente tenta manter alguns costumes, mas a vida toma outros rumos, né? Sinto saudade desse tempo com minha mãe e de tudo o que o Natal representava.”

NL: “Quanto tempo faz que a sua mãe faleceu?”

AF: “Sete anos, foi em 2016 ou 2017.”

NL: “E tem algum costume brasileiro que você acabou adotando desde que chegou aqui?”

AF: “Sim, vários! Adotei algumas expressões e até o jeito de falar com as pessoas. Além disso, agora cozinho mais pratos brasileiros. Sou um bom cozinheiro, gosto de preparar pratos como feijão e peixe, que são muito comuns na cultura cearense. A cultura brasileira é fascinante, com muitas contradições, algo que vejo como uma característica rica do Brasil.”

NL: “E como surgiu a oportunidade de trabalhar aqui?”

AF: “Enviei o meu currículo para várias vagas, mas ninguém me chamou de imediato. Comecei trabalhando na manutenção. Era uma posição que apareceu por acaso, e aos poucos fui me adaptando. Fiquei meses batendo de porta em porta tentando algo melhor, mas sem sucesso. Hoje em dia, trabalho nos serviços gerais.”

NL: “Como é o seu dia a dia no trabalho?”

AF: “Faço a limpeza do bloco, cuido das salas e de outros espaços onde os professores estão. Durante o dia, gosto de conversar com as pessoas. A maioria me cumprimenta com um ‘bom dia’ ou ‘boa tarde’, mas há alguns que são mais reservados. A maioria, especialmente os professores, é muito simpática, embora, como em qualquer lugar, sempre tenha um ou outro mais difícil de lidar.”

NL: “Existe uma diferença entre a forma como você era tratado na Itália e como você é tratado aqui?”

AF: “O tratamento é diferente, mas foi mais difícil para mim me acostumar com o sistema daqui. Na Itália, era responsável pela coordenação da equipe de pintura. Aqui, o encarregado tem uma função diferente, ele é visto quase como o ‘dono’ do trabalho, enquanto na Itália lidava mais com a organização. Então, aqui precisei me adaptar a um jeito mais prático de fazer as coisas.”

NL: “Hoje, você sente que o Brasil é a sua casa?”

AF: “Sim, com certeza. Gosto muito de Fortaleza, que é como minha segunda cidade e o Brasil, meu segundo país. No início foi difícil, mas agora estou completamente adaptado e vejo o Brasil como minha casa. Tenho amigos e uma vida aqui.”

NL: “E como você vê o Brasil e as pessoas daqui?”

AF: “O Brasil tem muitos problemas, claro, como a violência e algumas questões políticas. Mas todos os países têm seus problemas. Acho que as pessoas aqui valorizam muito as coisas materiais. Muitas vezes, vejo essa necessidade de mostrar status, como se fosse uma competição. É algo que noto, mas já aprendi a lidar com isso.”

Acho que as pessoas aqui valorizam muito as coisas materiais. Muitas vezes, vejo essa necessidade de mostrar status, como se fosse uma competição. É algo que  noto, mas já aprendi a lidar com isso.

NL: “Tem algum sonho ou plano que você ainda gostaria de realizar?”

AF: “Tenho uma afilhada na Itália, e sonho em poder acompanhá-la mais de perto. Ela já está adolescente, e sinto que estamos perdendo um pouco daquela conexão. Gostaria de estar mais presente, principalmente em datas importantes para ela.”

NL: “Do que você sente mais saudade da Itália?”

AF: “Dos produtos italianos, especialmente os ingredientes para cozinhar, como o verdadeiro macarrão e os temperos que temos lá. Ainda consigo adaptar algumas receitas aqui, mas sinto falta daquele toque especial dos produtos italianos.”

NL: “E se pudesse dar um conselho para alguém que vai começar a vida em outro país, o que diria?”AF: “Diria para a pessoa ter coragem, saber que a vida em outro país traz dificuldades, mas também muitas oportunidades de recomeço. É preciso estar aberto, ter paciência, e, acima de tudo, aprender com as diferenças.”

  • Fotos: Giulia Tessmann

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