Zoë Kravitz debuta na direção com sátira sobre alienação feminina e abuso de poder

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“Pisque Duas Vezes” se utiliza do bom humor e do choque para trabalhar temas delicados, e que podem gerar gatilho em espectadores desavisados

por Leonardo Piccinini

O perfil oficial da Warner Bros. Pictures divulgou em suas redes sociais um alerta de gatilho, informando o público sobre o conteúdo delicado e perturbador que envolve o filme “Pisque Duas Vezes”, que estreia nos cinemas nesta quinta-feira, 22. De fato, alienação feminina e abuso de poder são temas difíceis, e que podem mexer com a saúde mental de algumas pessoas, trazendo à tona memórias ou sentimentos ruins.

Em sua estreia na direção de longas metragens, a atriz Zoë Kravitz prefere, entretanto, abordar o assunto com um teor um pouco mais, digamos, sarcástico. Em uma festa de gala, a garçonete Frida (Naomi Ackie) conhece o bilionário Slater King (Channing Tatum). Flerte pra lá, flerte pra cá, e o ricaço convida Frida para passar uns dias em sua ilha particular, junto com amigos e algumas mulheres. As férias, regadas a festas, álcool e drogas, corriam bem, até que uma das convidadas desaparece misteriosamente, e as demais passam a perceber que há algo errado.

Notaram alguma semelhança? Pois bem, “Pisque Duas Vezes” lembra bastante a maneira que Jordan Peele abordou o racismo em “Corra!”, de 2017. Autoconsciente de suas limitações, Zoë Kravitz usa as problemáticas a seu favor, e extrai delas momentos de pura ironia e sarcasmo. Ao brincar com a previsibilidade da trama, o filme transforma-se em uma sátira dele mesmo, e gera esse tom debochado e ácido que dá um ar de originalidade à obra, mesmo que de original ela não tenha quase nada.

A ambientação paradisíaca e sedutora da ilha contrasta com o pavor e a violência que domina a tela nos minutos finais. É interessante observar, inclusive, como todas as sequências que trazem esse teor mais gráfico e perturbador, se passam durante à noite. É um clichê do gênero, de fato. Tudo de ruim tem que acontecer após escurecer. Aqui, porém, o clichê ganha um outro significado: o horror também está em cena durante o dia. Escondido, disfarçado entre sorrisos, beijos e presentes, mas presente; por mais que, até certo momento, não seja possível ver. Ou, nesse caso, lembrar.

As simbologias espalhadas por toda parte ganham contornos de dor à medida que os mistérios passam a se desdobrar e a verdadeira fachada daquela ilha se revela. A casa, que antes surpreendia por sua magnificência, transforma-se em um cenário de desespero. Frida, que considerava estar dentro de um sonho, tendo a vida que sempre desejou, percebe estar imersa em um pesadelo que fica cada vez mais doentio.

O impressionante é que, assim como Jordan Peele, Zoë Kravitz não deixa a brutalidade dos acontecimentos alterar o tom do longa. Assim como em “Corra!”, a violência, ao invés de crua, ganha fortes traços de catarse, algo semelhante também ao que Quentin Tarantino fez em seu “Era Uma Vez… em Hollywood”; mostrando que podemos, sim, encontrar deleite no horror. 

No fim das contas, “Pisque Duas Vezes” é um retrato de algo que acontece diariamente em todos os lugares do mundo. Talvez não na mesma proporção, e nem com os tons absurdos que o filme traz, mas, sim, um retrato. Mesmo em seu ‘debut’ atrás das câmeras, Zoë Kravitz mostra ter a personalidade e, também, habilidade, que pouquíssimos veteranos tem, de abordar temas tão delicados de maneira tão descontraída. É, sem dúvidas, um nome para prestarmos atenção nos próximos anos.

Foto: Reprodução / Warner Bros. Pictures

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