“Sou uma mulher emocionada com minha história”

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Beatriz Militão, Miss Universo Ceará 2023, universitária e modelo profissional

Em entrevista ao NewsLink, a agora modelo profissional Beatriz Militão conta as experiências vividas nos concursos, relação com a família e a superação ao se deparar com o novo

Por Aldernes Mendes (*)

Dos mares do Trairi para uma das coroas de beleza cearenses mais cobiçadas. A trajetória de vida de Beatriz Militão, 26, a Miss Universo Ceará 2023, desde cedo, foi marcada pela simplicidade e valorização das raízes. A menina que nunca havia andado de salto alto e, agora, é modelo profissional, completa em 2024 um ano do reinado considerado por ela a “virada de chave” mais inesperada. 

Beatriz Moreira da Silva, a “Militão”, na infância, não imaginou viver experiências competitivas no segmento dos certames de misses. No entanto, a vontade de trabalhar com as passarelas sempreesteve enraizada em seus sonhos. Assim como fez a gaúcha Gisele Bündchen, a única übermodel do mundo (termo criado pela revista New York Magazine para designar o título de maior modelo de todos os tempos).

Nascida na vila de pescadores da praia de Cana Brava, no Trairi, a 126,3 km de Fortaleza, a atual representante das terras alencarinas na franquia Universe, de concursos de misses, e TOP 16 no Miss Universo Brasil 2023, levanta a bandeira de que “o simples tem vez e voz”. Filha do pescador Antônio e da ex-marisqueira Maria, Beatriz Militão é a caçula de 15 irmãos e, por onde anda, leva consigo o aconchego sentimental dos familiares. 

Foto: Reprodução / Instagram (@beatrizmilitao_)

Em entrevista ao NewsLink, a modelo conversou sobre as mudanças de vida durante e após os concursos, desafios e saúde mental. Também relembrou vivências, a relação com as raízes familiares e o amor por seu berço natal.

NewsLink: Me conta um pouco da sua história? De onde veio? 

Beatriz Militão: Sou Beatriz Moreira da Silva. O Militão não tem no meu nome. Ele é artístico. Vem do meu pai. Ele é conhecido como “Seu Militão”, mas o nome dele é Antônio. Venho de um povoado chamado Cana Brava, no Trairi, litoral Oeste do Ceará. Cana Brava ainda é uma praia nativa, não é desenvolvida ao turismo. Graças a Deus. Moro em uma vilazinha de pescadores, onde tem o povoado e, mais na frente, a praia. Além dela, Trairi tem outras quatro: Guajiru, Flecheiras, Embuaca e Mundaú. Lindas! Sou filha caçula de 15 irmãos, onze mulheres e quatro homens. Morreu uma e ficaram 14. Uma das mais velhas, quando era bebezinha. Nunca passou pela minha cabeça um dia ser miss. Sempre tive um sonho de ser modelo. Isto nunca saiu do meu coração. Quando via a Gisele Bundchen na TV, falava: “Um dia, serei igual a essa mulher”. E palavras têm poder, né? Emano muitas palavras positivas porque acredito muito no poder do universo. No poder da mente e da gente também. Tudo o que falamos acontece. 

NewsLink: O que a motivou a participar de concursos de beleza? 

Beatriz Militão: Entrei no “mundo miss” por meio de amigos. Sempre houve o concurso do Miss Trairi para eleger uma representante, mas ela nunca ia ao concurso estadual, por exemplo. O concurso de lá [Trairi] é totalmente diferente do estadual. O Miss Universo Ceará tem confinamento, entrevistas, fotos, publicidades para marcas patrocinadoras. Já o Miss Trairi, era assim: você se inscrevia, participava do desfile e quem ganhasse, ganhava. Quem não, não. Para de fato ganhar, antes participei três vezes do concurso municipal. Então, só na quarta vez ganhei. Estava desiludida de participar porque nunca ganhava, não chegava a nem entrar no top [como são chamadas as etapas]. E meus amigos sempre insistindo. Eles insistiam mais do que eu. Em 2022, estava ciente de que não iria participar e continuavam insistindo. Nos últimos minutos, prestes a encerrar o período de inscrições, me inscrevi. Participei do municipal, ganhei, fiquei muito surpresa e realizada. Ganhei o Miss Trairi em novembro de 2022. Em abril de 2023, me disseram que iria participar do Miss Universo Ceará 2023. 

NewsLink: Como foi sua reação? 

Beatriz Militão: Entrei em pânico e fiquei com medo porque não sabia falar inglês, desfilar, andar de salto alto. Não sabia de nada, era leiga em tudo. Fiquei com receio, mas sou do tipo de pessoa que enfrenta os desafios. Me preparei em menos de um mês. Tive três aulas de oratória, três de passarela e foram nas aulas de passarela que consegui subir em cima de um salto enorme. Era um salto grande para uma pessoa que nunca havia subido em um. No meu interior, andamos de “rasteirinha” [sandálias que não possuem salto em sua estrutura]. Ou é de pé no chão ou é de chinela. Tudo era novo para mim. Participei do Miss Universo Ceará 2023 e tive crises de ansiedade. Sabia que entraria no top 7 porque havia ganhado a categoria de popularidade, que levava a miss à essa etapa. E, no top 7, não imaginava que ficaria na final. Quando anunciaram a Miss Quixadá como a terceira colocada, fiquei me perguntando “Como assim?”. Quando peguei na mão da Miss Caucaia, no top 2, estava nervosa e quando falaram que a vencedora vinha do Trairi, não acreditei.

NewsLink: E a sua participação no Miss Universo Brasil 2023, como foi para você?

Beatriz Militão: Ainda não estava acreditando. Foi um peso muito grande, não é fácil de jeito nenhum, tive crise de ansiedade, emagreci muito durante o processo. Eram muitas vozes na minha cabeça, muitos haters, mensagens de ódio, fãs de outras candidatas me atacando. Fiquei desesperada. Foi uma virada de chave muito grande na minha vida. Dormi uma pessoa anônima, do interior, e acordei “conhecida”. No período da preparação, ouvi muitos comentários e ficamos calados (se referindo a equipe). Trabalhando em silêncio. Depois das fotos e vídeos que a organização do Miss Ceará postou, pronto, “explodiu”. Todo mundo comentando “A Militão está comendo pelas beiradas”. Antes, estava crua, não sabia o que era uma pose para foto, me importava muito com a opinião alheia. Achava que tinha a mente forte, mas não. Quem tem a mente fraca, realmente sai destruída da competição porque não é fácil. Suportei o processo, deu tudo certo, realizei meu sonho. Fui ao Miss Universo Brasil, em 2023, subi no palco, desfilei, fiquei entre as 16 candidatas classificadas. Venci muito. Por meio do “mundo miss”, abriram-se portas e me tornei modelo profissional. Nunca fui um robô, sempre fui eu mesma. 

NewsLink: Qual foi o maior impacto em se deparar com outras realidades? Foi tranquilo ou desafiador? 

Beatriz Militão: Uma virada de chave rápida demais. Dormi aquela “Biazinha” que não sabia de nada e acordei outra: “Pronto, agora você é a Miss Universo Ceará”. Tinha medo de ir à rua. De alguém pegar o celular e apontar para mim, mesmo se a pessoa nem tivesse batendo foto. Qualquer “besteirinha” poderia atrapalhar a minha caminhada ao concurso nacional. Não poderia estar envolvida em polêmicas, confusões, em nada. Ficava desesperada e as pessoas falando na minha mente: “Tu não pode fazer isso, tu é a Miss Ceará”. Estava carregando o meu estado nas minhas costas. Me cobrava muito. Tinha que ser boa em tudo. Foi muito desafiador. 

NewsLink: Uma das suas principais mensagens no Miss Universo Ceará e, também, no Miss Universo Brasil, foi a valorização de suas raízes e do seu povo. Como é a sua relação com os seus pais e com o Trairi? 

Beatriz Militão: Somos muito unidos e conectados. Nos amamos de verdade. Com meu pai e minha mãe, sou “carne e unha”. Em outras vidas, se pudesse, com certeza pediria a Jesus para me colocar no ventre da minha mãe de novo. Venho de uma família humilde, que já passou necessidade. Não passamos tanta necessidade porque meu pai é pescador. Vivíamos disso, assim como todos da vila de Cana Brava. Somos uma vila de pescadores. Nos sustentamos e vivemos da pesca do peixe, da lagosta, do camarão, siri, caranguejo. Meu pai é um grande poeta. Ele é cantor, compositor de músicas, versos e é um homem muito sábio. É um dom. Aprendi a tocar violão com ele. Ele escreveu umas quatro “notinhas” no caderno pra eu ficar treinando. Sei o básico que dá para desenrolar qualquer tipo de música. Minha mãe, Maria, é dona de casa, mas já foi marisqueira, pegava camarão, caranguejo, essas coisas. Porém, depois de engravidar, teve que cuidar dos filhos. Era um atrás do outro. Sou uma mulher emocionada com a minha história. Falo de tudo, mas quando pega na parte familiar, me emociono por tudo que eles passaram para criar os 15 filhos. Digo 15 filhos porque eles criaram uma neta da mesma idade que a minha (26 anos) e até hoje ela chama o meu pai de “pai” e minha mãe de “vó”. Ela sempre teve a mãe dela por perto, não tinha a presença do pai biológico. Então, tem o avô como pai. Foram muitas lutas, dedicações e amor. Minha criação foi linda. Tive uma infância, brincava de bila na rua, soltava pipa, brincava de esconde-esconde. Fui uma menina muito amada. 

É maravilhoso ser filha daquela terra, do Trairi. É um povo acolhedor, as praias são belíssimas, limpas e não tem isso de “perigo”. Nossa, sou apaixonada pelo meu lugar, de onde eu vim e me criei. Hoje, vivo na capital cearense, em Fortaleza, devido ao meu trabalho de modelo.

NewsLink: Quais as maiores mudanças na sua vida durante e após o período de preparação para concurso no sentido de oportunidades? 

Beatriz Militão: Meu primeiro trabalho foi para uma marca grande de lingerie. Nunca havia tirado fotos mais sensuais e, querendo ou não, você está mostrando o seu corpo. Foi difícil, fiquei nervosa, mas deu tudo certo. Até hoje me chamam, gostaram de mim. A equipe me elogiou bastante, disse que os clientes perguntaram: “Nossa, quem é essa modelo?”. Tiveram outras marcas de roupa e, assim, cada trabalho é uma aprendizagem diferente. Sou um pouco envergonhada, posso não demonstrar, mas sou um pouco tímida, sim. É muito gratificante ver a minha evolução. No meu último trabalho, fui muito elogiada pelo fotógrafo e pela equipe. Sou uma pessoa que funciona por meio de motivações. Preciso que digam “Bia, muito bem, você melhorou nisso”. Vou ficar feliz e melhorar mais ainda. Isso me faz evoluir como pessoa. Profissionalmente, também, evoluí bastante. Antes, diziam (em comentários na internet) que eu tinha “cara de pastel”, “cara de paisagem”, que não sabia tirar foto, que iria só passar vergonha, que era muito magra, não tinha um corpo bonito, me chamavam de feia e que não ganharia nada. No Miss Ceará, ganhei o título de “Melhor Coordenação”, “Popularidade”, “Melhor Corpo” e a coroa. O que nasceu para ser seu, ninguém tira. Fui e mostrei que sou capaz. Em fevereiro de 2024, fui convidada para um camarote da Sapucaí, no carnaval do Rio de Janeiro. Entraram em contato comigo pelas redes sociais. Fiquei receosa e pensando “Como assim? Será que não é golpe?”. Entrei em contato pelo email e a equipe me mandou o convite. Foi maravilhoso, tudo lindo, uma energia boa. Conheci muitas pessoas, muitos famosos, é muito legal. A experiência é incrível. Você ver aqueles carros alegóricos é incrível, só via na TV. Foi muito emocionante. Fiquei me perguntando se estava vivendo aquilo de verdade. 

NewsLink: Após tantas transformações na sua vida, hoje, como você se define e o que te motiva a sonhar? 

Beatriz Militão: A Beatriz Militão é uma “menina-mulher” sonhadora, que sempre acreditou nos seus sonhos, no seu potencial, embora as pessoas não acreditassem. É uma mulher batalhadora, trabalhadora, com garra e força de vontade. Costumo dizer que o simples tem vez e voz. Se eu saí do simples e cheguei até aqui, outras pessoas vão olhar para mim, para minha história e vão dizer para elas que também são capazes. Leio muitos relatos de meninas que vêm às minhas redes sociais dizer “Sou tua fã”, “Me identifiquei com sua história”, “Você é uma inspiração”. Também leio comentários de homens que se identificam com minha história. Sou uma mulher simples, corajosa, uma leoa. O que Deus tem para mim, já é meu. É sinal de que vou conseguir. Para que chegue na vitória, preciso passar pelo processo. Ele é doloroso, difícil, mas não impossível.

(*) Aldernes Mendes é jornalista, egresso do curso de Jornalismo da Unifor e ex-bolsista do NewsLink

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