A apresentação, que conta com muito improviso e humor ácido, traz as melhores vertentes do comediante paraense que critica, de maneira, inteligente, aqueles que se autodenominam “coach de vida”
por Leonardo Piccinini
A International Coaching Federation, maior associação de coachings do mundo, estima que até 2022, o setor movimentava US$ 4,6 bilhões, e que o número de coaches aumentou 54% entre 2019 e 2022. Este número, entretanto, pode ser ainda maior, já que não há credenciamento padronizado no setor. E é aí que mora o perigo: qualquer pessoa pode se autodenominar um coach de vida. Um setor não regulamentado, que costuma cobrar preços bem altos, tem um custo que se estende bem além do dinheiro que é gasto.
Charles Chaplin dizia que a vida de perto é uma tragédia, e de longe uma comédia. O comediante Murilo Couto parece ter entendido perfeitamente a síntese do pensamento de Chaplin, e criou um dos espetáculos de humor mais originais dos últimos anos: “7 Passos Para o Bilhão”, apresentado em Fortaleza no último domingo, 8, no teatro do shopping RioMar.
Durante aproximadamente duas horas, Murilo ironiza, de maneira inteligente e afiada, o modus operandi e a cultura dos coaches. Mesmo sozinho no palco, o comediante mantém a energia da apresentação lá em cima durante todo o tempo. Prova, mais uma vez, o talento que tem para o improviso e para a observação crítica, criando uma experiência que funciona tanto como sátira quanto reflexão.
Ainda com as cortinas fechadas, Couto explica à plateia que aquele é um espetáculo diferente, e que todos devem participar junto com ele. “Vocês não pagaram um ingresso para ver um show. Vocês gastaram nove mil reais para estar aqui. Eu preciso que vocês se comportem como aqueles otários”, brinca, enquanto o público cai na gargalhada.
Ao entrar no palco, embalado por uma música psy trance, Murilo Couto sai, e abre espaço para o personagem Murilo Coach brilhar. Movimentando-se de um lado para o outro, manda que todos fiquem de pé e respondam, aos gritos, tudo que ele mandar.
A situação é tão absurda, que o próprio comediante não se aguenta e sai do personagem para rir. A linguagem exagerada frequentemente utilizada por esses profissionais é ironizada de tal maneira que destaca a falta de substância por trás de suas promessas grandiosas.
Com o início da “palestra”, Couto alterna entre uma apresentação powerpoint, exibida no telão do teatro, e muita interação com a plateia. O humor verborrágico, característico do comediante, chega a níveis que não podem nem ser citados aqui, o que casa perfeitamente com a proposta do espetáculo.
O melhor de tudo, é que o público entra na brincadeira e faz o que lhes foi solicitado momentos antes: se comportar como uma pessoa que, de fato, pagou milhares de reais para ser “mentorado” por um coach.
Em resumo, “7 Passos Para o Bilhão” é a comprovação do talento de Murilo Couto, já mostrado em suas apresentações de stand-up, para transformar tópicos atuais e, por vezes, controversos, em material humorístico de alta qualidade. O público sai do teatro com as bochechas doendo de tanto rir, e, também, refletindo de maneira crítica sobre o mundo dos coaches e suas promessas vazias. Isso sim é humor inteligente.
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