Por Mariah Salvatore
Quando os policiais chegaram, já estava tudo perdido. Não havia tempo de escrever sequer mais uma linha. Ainda assim, Vicente não recuou e continuou teclando ardorosamente. O estampido irrompia lá fora, estantes sendo derrubadas, livros ao chão, e muita chafurdaria. O DOPS distribuía cacetetes nos jornalistas como quem distribui doces, ou melhor, como distribuíam os folhetos com a manchete “Corrupto, corrupto!”. A onomatopeia era causada pelo som da algazarra, juntamente com as teclas fazendo: tlec, tlec, tlec.
— Vamos, eles estão atrás do senhor! — verberou Augusto, os olhos esbugalhados como os de uma coruja. Imagine só se o coração dele não estaria saltando pela boca, os dedos trêmulos e a respiração ofegante.
— Calma, Augusto. Tenha calma, seu fi duma égua! — replicou Vicente, tomando um gole de pinga.
As cobranças não acabavam, assim como o desplante dos policiais, enlouquecidos como cães farejadores. A pachorra de Vicente beirava o cinismo extremo, com sua postura pacífica, imperturbável, se não fosse por suas mãos que dedilhavam a máquina de escrever.
— Pronto, meu fi! — disse Vicente, entregando ao outro o papel. — Agora vá e deixe de me
aporrinhar. No alto e à direita, não esqueça, imprestável.
Levantou-se sobressaltado, esticou despreocupadamente o corpo, estalando os dedos, e se abaixou até uma passagem secreta atrás da estante. Augusto continuou em pé, pasmado, amedrontado, o medo tão grande que nem um fio de cabelo passava. Mesmo assim, fez o que lhe foi ordenado. Sentou-se cabisbaixo, o peso nos ombros fazendo-o afundar-se na cadeira. Não havia hesitação; seus dedos teclavam como se estivessem cumprindo uma profecia. No fundo, havia uma risada engasgada em seu peito, a adrenalina correndo em suas veias. O sol beijava a folha pálida, onde as palavras iam se formando com uma rapidez assombrosa, mas também extraordinária.
Augusto gemeu surdamente, a cabeça sendo puxada para trás, os olhos esbugalhados saltando para fora da face.
— Bora, cadê teu patrão? Vão todos para a cadeia, cambada, ver o sol nascer redondo! — brandiu o miliciano.
— Redondo? Não seria quadrado? — retrucou ele.
Acabando com a tensão, o policial, de cara amarrada e cheio de rugas, apanhou a folha rudemente. Nela estava escrito:
Pipoca Colorida
Ingredientes:
½ xícara de chá de óleo
1 xícara de chá de açúcar refinado
1 colher de chá de corante em pó das cores de sua preferência
1 xícara de chá de milho de pipoca
Modo de preparo:
Coloque o óleo, corante e o açúcar em uma pipoqueira ou panela grande, em seguida misture bem. Acrescente o milho e leve ao fogo. Coloque em uma bacia e deixe esfriar; quanto mais cores fizer, mais bonita fica. É só misturar as cores.
Olhou de lado, sorriu e comeu o papel. Porque era doce, porque estava com fome… por que comeu?
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